Diário de Quarentena: Enem durante a pandemia?

Eu estudei no melhor colégio particular do meu bairro, que se gabava de estar entre os dez melhores em aprovação no vestibular pras universidades federais. Cada início de ano, os pais recebiam uma lista com os nomes dos alunos do terceiro ano e as universidades pra onde tinham sido aprovados. E isso era enfatizado (massacrado) na nossa cabeça desde o primeiro ano, quando já começava uma pressão muito grande para aprovação no vestibular. Eu só vou contar duas histórias sobre a pressão:

Eu estava no primeiro ano, e me lembro como se fosse ontem (semana passada, dada minha idade) o dia seguinte da notícia da queda do Muro de Berlim, de manhã, no caminho para a escola, a minha maior preocupação, junto com a ansiedade, era que agora tinha uma peça nova na historia contemporânea que poderia cair na prova de história. Foi o caminho mais longo que eu fiz da minha casa até a escola, que ficavam dois quarteirões de distância.

No meu segundo ano, papa Bush declara guerra contra o Iraque e começa a Guerra do Golfo (é, queridos, eu vivi fatos históricos), e agora os professores de história e de geografia levavam pra sala de aula toda a discussão envolvida na guerra que estava acontecendo do outro lado do mundo e que afetava nossa vida pq “a UFRJ gosta de temas contemporâneos”, eles diziam; e o objetivo era todos na UFRJ.

Mas olha, que #whiterichpeopleproblem a essa hora da manhã, Silvia? Eu tinha casa, comida, roupa lavada, meu quarto, meus livros, uma boa escola, ou seja, uma puta infraestrutura pra só estudar. A única obrigação que eu tinha era arrumar meu quarto e guardar minhas roupas passadas. No máximo lavar uma louça no fim de semana quando era a folga da Bia, que cuidou da gente pra minha mãe trabalhar, e que falava que eu tinha obrigação de tirar nota alta porque eu não fazia mais nada além de estudar. A Bia sempre me lembrava das crianças que tinham que trabalhar além de estudar, que passavam horas andando na roça pra chegar a escola, que não tinham a vida boa que eu tinha. E por isso, eu tinha obrigação de tirar notas boas.

Se pra uma adolescente classe média a vida de pré-vestibular não é fácil, imagina pra quem não tem acesso a internet? Pra quem não tem comida em casa e cuja principal refeição é na escola? Pra quem estuda numa escola em que falta professor e faz pré-vestibular social? Pra quem não tem material escolar? Não tem livros?
Se já é difícil em condições normais de temperatura e pressão, IMAGINA NO MEIO DE UMA PANDEMIA?
IMAGINA NO MEIO DE UMA PANDEMIA SENDO GERIDA POR UM GOVERNO GENOCIDA?

O discurso que “vamos perder um ano de nossas vidas”, “não podemos parar” é totalmente contrário ao que a gente está vivendo. Não estamos perdendo ano, não estamos perdendo tempo, ESTAMOS NO MEIO DE UMA PANDEMIA. Temos que sobreviver à pandemia.

Tá puxado, Brasil.

#adiaEnem
#épandemia
#ficaemcasa

Comentários

  1. Esse papo de "perder um ano na vida" é antigo e os adolescentes sempre foram massacrados por isso. Essa pandemia, se não a banalizarem, nos trará exemplos e precisamos estar preparados para essa nova ordem mundial.

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