Meu pequeno linguista I
Hoje eu vou contar algumas das histórias do meu sobrinho liiiiindo, o David, e como ele é meu pequeno linguista.
-- David, há água na geladeira?
E ele olhava pra geladeira, olhava pro bebedouro de água e olhava pra mim com uma interrogação na testa. E eu repetia a pergunta:
-- David, há água na geladeira?
E ele não entendia o que eu falava, e cada vez mais franzia a testa e olhava pra geladeira e pro bebedouro.
-- David, responde, estou te fazendo uma pergunta, há água na geladeira?
E ele, muito irritado, sai da cozinha falando:
-- Não sei do que você está falando!
Claro que ele não sabia, qual era o sentido de eu perguntar sobre a água na geladeira se não tinha água na geladeira!
Anos depois, com uns 4 anos, ele ganhou um livro de história de piratas edição portuguesa. É óbvio que o livro estava cheio de "hás" existenciais: "No mar há muitos piratas". "Há piratas valentes!" "Há piratas perigosos!" "Há piratas de todo o tipo". Aí eu fui perguntar:
-- David, há piratas no mar?
E ele sorriu e disse que sabia o que era "há":
-- É "tem", tia Silvinha. "Há piratas" é "tem piratas"!
*****
David tinha entre 2 e 3 anos, estava na cozinha e eu fui testar se ele já conhecia o verbo haver existencial. Então, eu, como ótima tia, perguntei:-- David, há água na geladeira?
E ele olhava pra geladeira, olhava pro bebedouro de água e olhava pra mim com uma interrogação na testa. E eu repetia a pergunta:
-- David, há água na geladeira?
E ele não entendia o que eu falava, e cada vez mais franzia a testa e olhava pra geladeira e pro bebedouro.
-- David, responde, estou te fazendo uma pergunta, há água na geladeira?
E ele, muito irritado, sai da cozinha falando:
-- Não sei do que você está falando!
Claro que ele não sabia, qual era o sentido de eu perguntar sobre a água na geladeira se não tinha água na geladeira!
Anos depois, com uns 4 anos, ele ganhou um livro de história de piratas edição portuguesa. É óbvio que o livro estava cheio de "hás" existenciais: "No mar há muitos piratas". "Há piratas valentes!" "Há piratas perigosos!" "Há piratas de todo o tipo". Aí eu fui perguntar:
-- David, há piratas no mar?
E ele sorriu e disse que sabia o que era "há":
-- É "tem", tia Silvinha. "Há piratas" é "tem piratas"!
*****
Estávamos no carro, num engarrafamento na Linha Amarela, indo pra Barra, parados na direção de um condomínio de casas. David devia ter uns 4 anos. E eu perguntei:
--- Olha, David, aquela torre. Pra que será aquela torre?
--- Aquela torre, é pra polícia ficar vigiando e não deixar os ladrones entrar nas casas.
-- Os ladrones, David?
-- É, é, os ladrones... Respondeu o menino com uma expressão facial que já indicava uma história sendo formada de polícia correndo atrás de ladrones...
Aí, eu perguntei:
--- David, ladrones ou ladrões? ladrões ou ladrãos? Quem que a polícia não deixa entrar nas casas?
E olha pra mim com um ar muito calmo e responde:
-- Os bandidos!
--- Ahhhhh, que gracinha! Se saiu bem! Claro! Os bandidos!
Imagina se ele ia se comprometer a decidir se era ladrones, ladrões ou ladrãos o plural de ladrão!
Algum tempo depois, ele falou qualquer frase que tinha a palavra "leões". Aí, ele vira pra mim e fala:
-- Tia Silvinha, você lembra quando eu não sabia o plural de ladrões e falei ladrones?
-- David, você sabia muito mais do que você pensa! Muito mais!
E o menino sai com aquela interrogação no meio da testa sem entender, eu acredito, como que ele sabia muito mais do ele pensa se o certo é ladrões e não ladrones!
*****
David tinha uns 5 anos, estava no carro com os pais e o irmãozinho recém-nascido, Miguel. Aí, Miguel começa a resmungar na cadeirinha. A mãe vira pro David e fala:
-- David, olha o seu irmão pra ver se está tudo bem com ele.
-- Mamãe, eu vi ele e está tudo bem.
-- David, é "eu o vi".
-- Então, eu vi ele e está tudo bem.
-- David, é "eu o vi". A mãe insiste.
-- Tá bom, mamãe eu olhei ele e está tudo bem!
Aí quando eles chegam em casa, a mãe me liga e fala, antes de contar a história que eu acabei de contar:
-- Olha a última do seu sobrinho! ...
No final da história eu falo:
-- Claro! Ele não "ouviu" o irmão; ele olhou o irmão!
E depois quando dizem que o clítico acusativo de terceira pessoa só é adquirido na escola a gente não acredita ...
*****
No início do ano, liguei pra falar com ele. Agora David estava com 8 anos. Estávamos conversando no telefone e ele notou que eu estava comendo. Então ele perguntou:
-- Você está comendo chocolate?
-- Não, estou comendo arroz.
-- Ah, pensei que você estava comendo chocolate.
-- Não, eu não como só chocolate.
-- Ah, claro, você come de tudo, você é onívora.
-- Sim, muito bem! E você também.
-- Eu não, eu sou carnívoro, porque eu adoro carne.
-- Mas você é onívoro também porque você come de tudo. Aliás, você é um onívoro-carnívoro ou um carnívoro-onívoro?
-- Eu sou um onívoro-carnívoro!
-- Você sabe a diferença?
-- Não.
-- Um carnívoro-onívoro é por exemplo um leão, que é carnívoro por natureza mas de vez em quando come umas folhinhas, umas frutinhas... Um onívoro-carnívoro é um animal que come de tudo mais gosta muito de carne.
-- Ah, então eu quero ser um carnívoro-onívoro!
*****
Tem mais histórias, mas eu só lembrei dessas hoje. Amanhã eu conto as do Miguel, irmão do David.
Hahaha...eu já conhecia todas essas histórias!
ResponderExcluirDavid, não sei se você é um dos leitores dela, mas você é muito famoso. Quero saber onde está o meu pequeno linguista II, versão Miguel.
Eu conheço uma das histórias dele: a do Melanes. Bem no estilo "ladrones", versão David.
Melanes? Essa nem eu conheço.
ResponderExcluirEssa foi sua mãe quem me contou. Parece que o Miguel bem pequeno pediu mais melanes pra ela.
ResponderExcluirEla tinha dado melão p ele, aí ele queria mais, viu na cozinha e pediu "mais melanes, vovó"