Pra frente, Brasil!

Outro dia, estava assistindo TV e vi uma propaganda sobre a Copa do Mundo que me fez lembrar da música que começa assim: "90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção...". Aí lembrei que não estávamos em 1970, mas sim em 2013. E fiquei preocupada...
Quando o Brasil e o Rio de Janeiro "ganharam" sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, não houve manifestação contrária. O povo, como um todo, ficou feliz. O Brasil estava em evidência no mundo não mais como o país do samba, da mulata e do futebol: a crise econômica pegando fogo no mundo, a Europa revendo a comunidade europeia; países como Grécia, Espanha e Portugal cortando salários, demitindo em massa, retirando benefícios dos trabalhadores, como o décimo terceiro salário, por exemplo. Países ricos como a Alemanha ditando regras de cortes de gastos públicos para países quebrados; a França preocupada pois deixou de ser AAA na zona do Euro. Isso desde 2008-2009. Fomos testemunhas de protestos na Grécia, paro geral em Portugal, greve do espaço aéreo da Espanha, de mães espanholas posando pra calendários para levantar dinheiro pra transporte escolar dos filhos, antes assegurado pelo Estado. Nesse cenário mundial, o Brasil ia bem, obrigada. Havia dinheiro pra sediar Copa do Mundo e Olimpíadas. 
Entre 2009 e 2012, estive com colegas de universidades europeias e norte-americanas em diferentes ocasiões. Todos eram unânimes em dizer que estávamos bem no Brasil, que a crise não tinha chegado aqui. Até o ex-presidente uma vez afirmou que aqui sentiríamos uma marola da crise...
Acontece que a marola parece ter virado tsunami. Aqui no Brasil, estamos acostumados a não ter os direitos garantidos. E muitas vezes, somos os culpados por isso, pois "votamos errado", "elegemos corruptos", como se não houvesse corrupção em outros países do mundo. A gente vive mal e é nossa própria culpa!
Na verdade, se compararmos com a crise na Europa, nunca saímos da crise; sempre passamos por situações SURREAIS no nosso dia-a-dia. É surreal o transporte público no Brasil; é surreal esperar um ano uma operação numa fila de hospital; é surreal uma escola fechar e mandar os alunos pra casa ou o comércio não abrir porque um grupo de bandidos mandou. É surreal um aluno se formar no ensino médio sem saber escrever; é surreal o professor ser mal remunerado; é surreal não ter creche decente pras crianças enquanto a mãe trabalha... E estou falando do que é surreal em grandes cidades como Rio e São Paulo, imagina no sertão nordestino, ou nas comunidades ribeirinhas da Amazônia?
Não sei onde vão parar essas manifestações. Nem entendi direito ainda como elas começaram: por causa de R$0,20 na passagem? Acho que não. Saíram do feicibuqui? Talvez. Pra aproveitar a Copa das Confederações? Muito pouco. Coisa de estudantes de classe média? E daí?
O fato é que o povo tomando as ruas, mesmo que seja algo de estudante da classe média, me deixa feliz. Me deixa feliz porque a gente não está no milagre econômico dos anos 1970's, não somos só a pátria de chuteiras; me deixa feliz porque mesmo que seja aproveitando a Copa das Confederações, estamos deixando de ser "pacíficos". Em muitos lugares do mundo, por muito menos, a população vai às ruas pra reclamar. E aqui, quando fazemos uma greve, somos criticados. A minha vida toda, ouvi críticas às universidades federais: quando aluna, as críticas eram "como você pode estudar num lugar caindo aos pedaços?", "como você estuda com tanta greve"?  Como professora, escuto "mas vocês ganham tão bem e vão fazer greve?" As pessoas, algumas próximas de mim, não acham greve legal, não gostam de passeata, de baderna; nos acham subversivos de esquerda que reclamam de barriga cheia. Nos primeiros comentários da mídia, os manifestantes foram comparados a terroristas. Pegou tal mal, que algumas cidades na Europa e nos Estados Unidos se mobilizaram e tomaram as ruas. Agora eu pergunto: esses 100mil ontem no Rio de Janeiro (duvido que tenha sido só esse número: todo mundo que esteve num desfile do monobloco sabe que ontem tinha mais gente, mas deixa pra lá...) são todos subversivos de esquerda? Classe média pequeno burguesa tirando onda de socialista? Acho que não. 
Uma coisa boa num mundo globalizado é que a gente fica sabendo o que é bom no mundo e como o Estado pode devolver pra população os impostos que ela paga com serviços decentes. E uma coisa melhor ainda, pelo menos pra mim, é que aquela alienação que o futebol causa na gente, na "pátria de chuteiras", parece que está menor. 
Isso é pra frente Brasil!

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