Dizem por aí...

... que "Silvia Cavalcante não dá chance, no máximo uma nova oportunidade de chorar".  Mas a vida vai fazendo a gente ficar mais serena, mais tranquila, menos "cavalante" a ponto de um outro dizer que "preferia a Silvia que não deixava entrar na sala depois de cinco minutos de atraso".

Isso é fato. Sempre achei que o que postam nas redes sociais sobre os professores, pelo menos sobre mim, não é de todo invenção, é, no máximo, um exagero. Mas eu não vim aqui me defender dos exageros que dizem por aí sobre a minha pessoa, só vim atender a pedidos e escrever mais uma história. E não é nenhuma história política, inflamando o povo a clamar por liberdade, igualdade e fraternidade. Só uma crônica cotidiana.

Eu me preocupo com os alunos. Por menos provável que isso possa parecer, me preocupo: vejo quem chega sistematicamente atrasado, quem falta, quem franze a testa depois de uma explicação, quem dorme, quem está na aula só de corpo presente porque a alma está bem longe dali. A questão é que  acho que a aula é importante; ainda mais a minha! No dia em que eu não achar a aula que eu dou importante, eu peço as contas e vou abrir uma floricultura!

Por isso brigo pra prestar atenção, pra estar de corpo e alma na aula. E principalmente fico feliz também quando os alunos conseguem vencer as próprias dificuldades e estar presentes na aula. É aí que entra a história de hoje.

Eu tive um aluno que chegava sistematicamente atrasado, mas assim, não era atraso regulamentar não, era atraso de UMA HORA. Gente, atraso de uma hora não é atraso, né? Mas ele se sentia culpado por chegar atrasado, sempre pedia desculpas para entrar em sala, me olhava com aquele semblante carregando a culpa toda judaico-cristã! E eu o deixava entrar. Invariavelmente, ao final da aula, ele vinha falar comigo, e eu, Cavalante que só, dizia: você sabe que mora longe, tem que pegar o ônibus mais cedo. Ou então, não faz aula às 07:30 da manhã. E a vida continuava igual: todo dia o menino chegando tarde, se sentindo culpado, com aquela postura de estar carregando a culpa de todos os alunos que já chegaram atrasados em todas as aulas do mundo! E isso me incomodava.

Aí um dia, o chamei pra conversar; fiz a psicóloga. E no final, eu disse, que se ele tinha aula cedo às quartas e sextas, ele tinha que dar o seu jeito de ir dormir cedo às terças e quintas pra não perder aula. Pois se ele perde aula, quem perde é ele; não eu. E ele estaria perdendo aulas do melhor curso de sintaxe que ele ia fazer na VI-DA DE-LE, porque era comigo! É óbvio que eu tive que exagerar, porque senão minha psicologia toda de mesa de bar não ia funcionar.

Não é que o menino passou a chegar na hora? E no primeiro dia em que ele chegou cedo, eu sorri, levantei as mãos para o céu e agradeci a Deus o milagre! Ele ficou feliz, eu acho. E eu fiquei mais feliz ainda.

Era isso: as pessoas falam que eu sou isso, sou aquilo, mas é porque elas não me conhecem direito. Porque no fundo, no fundo, bem lá no fundo, eu tenho um bom coração. O problema é achar o bom coração da Silvia Cavalante!