A vida de professor no mundo conectado

Eu tenho reparado que hoje em dia é condição de sobrevivência o indivíduo viver conectado. E se ele tem feicibuqui, então, é quase uma questão sine qua non. E neste mundo que vive conectado está cada vez mais difícil ser professor, pois os alunos nunca estão totalmente presentes na aula. Já vi aluno, depois de eu anunciar que a data da prova tinha sido adiada, compartilhar a notícia no feicibuqui. Eu confesso que não entendi: a turma estava ali sendo avisada AO VIVO que a prova ia ser adiada e então qual a necessidade de postar aquela informação na internet se os interessados estavam ali recebendo a informação? Enfim, dar aula em tempos de redes sociais e whatsapp está ficando muito difícil.

Outro dia, era segundo dia de aula, estou explicando a matéria, e noto um aluno com a cabeça baixa teclando avidamente no celular. De vez em quando, ele levanta a cabeça, mas logo em seguida volta pro celular. E eu continuo falando e vou me dirigindo ao menino, na esperança de que ele, ao sentir minha voz se aproximar, guarde o celular. Mas ele não percebe minha voz se aproximando! Então, paro na frente dele e pergunto:

-- Você entendeu ou está muito ocupando trocando mensagem? Você é cirurgião e tem que sair correndo pra atender um paciente?

O menino fica sem graça e guarda o celular. E eu continuo, agora falando para a turma inteira:

-- Só se justifica ficar com o celular em cima da carteira se você for um obstetra e pode, a qualquer momento, receber uma ligação de uma paciente que entrou em trabalho de parto e você tem que sair correndo para operar.  Ou, então, um empresário esperando uma ligação muito importante pra fechar um grande negócio. Tem algum obstetra aqui? Tem algum empresário aqui? Então, vamos guardar os celulares e prestar atenção na aula.

Teve mais uma ou outra aula em que eu tive que fazer a mesma coisa, até me fazer entender que naqueles 100 minutos de aula as atenções são pra aula e não pro celular. Acho que me fiz entender.

E se desconectar um pouquinho do mundo lá dentro do celular e prestar atenção ao que está acontecendo ao seu redor é importante. Não é importante na aula de sintaxe, mas é importante para tudo o que estamos fazendo, pois essa atitude dos alunos só reflete o comportamento do indivíduo no mundo de hoje. O mundo conectado de hoje em dia é muito louco!

Os alunos, aproveitando a tecnologia dos celulares e mp3's, mp4's, mp45's da vida, gravam as aulas para assistir depois. Nisso, não prestam atenção ao que está sendo falado. Me pergunto se diante de um médico, num consultório, o paciente coloca um gravador em cima da mesa e grava as recomendações do médico para escutar depois, como fazem na aula de sintaxe.
Imagino a cena: o paciente entra para a consulta, o médico o examina e na hora em que vai falar o que o paciente tem que fazer, o paciente planta um celular na mesa do médico e fala:

-- Posso gravar essa consulta, doutor? Pra prestar atenção mais tarde!

E no momento em que liga o celular, se desliga do doutor, porque afinal de contas as prescrições estão sendo gravadas e podem ser ouvidas depois, quando ele for tomar os remédios!!!!!

Mas isso não acontece!

E gravar aula para assistir depois não é privilégio de alunos conectados. No mundo conectado, no mundo multi-tarefa, a necessidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo nos faz perder muitas coisas ao nosso redor.

Me lembro do que eu acabei vendo quando eu fui ao Louvre para ver a Monalisa. A Monalisa me chamou a atenção, lógico!: eu esperava um quadro enorme, no meio de uma sala, pendurado na parede reinando soberano sobre todos os outros quadros. A Monalisa é um quadro pequenino, que fica sim reinando soberano num pedaço de parede, protegido por um vidro e com um cordão de isolamento para que ninguém se aproxime. No Louvre, a gente pode tirar fotos, sem flash. E o que primeiro me chamou a atenção naquela minha experiência de conhecer a Monalisa foram os japoneses e suas super câmeras digitais: eram muitos, que não olhavam para o quadro, que não prestavam atenção na singela Monalisa que se nos apresentava naquela parede, mas prestavam atenção ao foco da câmera, à definição da imagem, que preferiam olhar a Monalisa através da lente da câmera. É claro que havia alguns com seus celulares postando imediatamente a experiência no feicibuqui! Afinal, qual é a graça de estar no Louvre diante da Monalisa se o mundo não sabe que você esteve ali?!
E eu não poderia deixar de registrar esse momento:



E eu, quando consegui me aproximar do quadro, depois de ultrapassar a barreira japonesa com suas câmeras digitais, fiquei ali alguns minutos, embevecida por aquela singela figura que sempre ocupou meu imaginário de obra-prima de uma forma muito mais exuberante e soberana do que de fato ela era. E essa imagem que se formou na minha mente e que ficou na minha memória, câmera nenhuma conseguiu captar!


E é, por isso, que eu acho que se a gente se desconecta do mundo virtual por algum tempo a gente consegue se conectar de verdade ao que passa pela nossa volta. Ainda mais se o que está à nossa volta é a Monalisa! Ou, então, a aula de sintaxe!

Comentários

  1. Fiquei imaginando você no Louvre vendo a foto 3x4 da Monalisa com aquela cara "Cara, é só isso?" hahaha

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    Respostas
    1. Nossa Bu!!!!!
      Com tanta coisa pra você comentar... só você mesmo!

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    2. Bu Couto, seu malvadoooooooooooooo!
      kkkkkkkkkk

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  2. Eu também, Bu.
    Por isso sou mais a estátua da Vênus de Milo.
    Silvia, tente adicionar todos os seus alunos no Whatsapp e passe a dar aula por lá. Você pode lecionar do sofá de casa, vai ficar registrado no celular todas as informações e nos próximos semestres é só copiar todas as suas falas. Você também poderá anexar todos exercícios pelo programa.

    Beijos

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  3. Silvia, adorei o texto!
    É exatamente isso!
    Podemos captar inúmeras poses, cores, pessoas, modificar as imagens... mas a verdade é que não podemos, ou melhor, a tecnologia que utilizamos não dá conta de captar o que sentimos, no exato momento que sentimos.
    É o que eu acho!

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