Meus pequenos linguistas

Outro dia, contei histórias do David, meu pequeno linguista I. Hoje, graças à insônia que insiste em me visitar, vou contar algumas histórias de pequenos linguistas com os quais eu tenho o privilégio de conviver.

Gabriel devia ter uns quatro anos estava contando uma história qualquer e no meio da história ele fala algo como:
-- Tia Silvia, eu já sabo contar até 10.
Aí, a mãe resolve corrigir o menino:
-- Gabriel, é "eu já sei, já sei".
E o menino vira pra mim calmamente e diz:
-- Tia Silvia, mamãe também sabe.

*****

Fernando devia ter uns 4 anos e pronunciava "lua" como "lula", só que o segundo "l" era mais fraco. A mãe, fonoaudióloga, o corrigia, brincando "não é mais Lula, é Dilma". Obviamente que o menino não entendia; então como boa mãe e fonoaudióloga ela resolveu fazê-lo pensar. Então pediu que ele repetisse sílaba por sílaba:
-- Nando, repete com a mamãe: lu
-- lu
-- a
-- a
-- lu-a!
-- lula!
E depois de três ou quatro tentativas com o mesmo resultado, ela desistiu e o menino voltou a brincar. E só quando chegou a hora, ele parou de repetir a consoante da sílaba anterior pra desfazer o hiato.

******

Miguel, irmão do David, pronunciava o "F" e o "V" como uma aspirada. Então "vovô" era "hohô", "vovó" era "hohó", "Silvinha" era "Suhinha", e por aí vai.
Aí, a tia "Suhinha", euzinha, resolve, durante um passeio de charrete, fazer o menino pronunciar "cavalo" ao invés de "cahalo". E usa a mesma técnica de sempre: pronunciar sílaba por sílaba. E começamos:
-- Miguel, repete comigo: ca
-- ca
-- va
-- vvvvva
-- lo
-- lo
-- cavalo
-- cahalo!

Não teve arcanjo que fizesse aquele menino pronunciar "cavalo". Hoje, dois anos depois, ele já não faz mais isso. Aprendeu os diferentes pontos de articulação das fricativas...

Mas hoje, aos 4 anos, ele ainda nos ensina e muito. Miguel demora (um pouquinho) pra fazer amizade e conversar com alguém recém-apresentado. E com a minha amiga Ana, portuguesa, que se hospedou uns dias na minha casa, não foi diferente.
Ele ficava quietinho, prestando atenção nela, e não falava nada. E não falava com ninguém! Quando queria alguma coisa, se comunicava com gestos, gemidos, expressões faciais. Até que uma hora, sei lá, no terceiro dia, ele resolveu se comunicar e desandou a falar.
-- prats clucacs prits mdal blugs

E, obviamente, ninguém entendia o que o menino falava. E toda vez que a Ana falava alguma coisa, Miguel a respondia nessa língua sua.
Aí, David, que não é nada bobo, que já estava familiarizado com Ana, a ponto de apelida-lá de "Anita", resolveu a charada:
-- Miguel sempre fala assim quando ele escuta uma língua estrangeira.
-- !!!!!!
E a gente gargalhou com o fato.

E depois dizem que brasileiros e portugueses falam a mesma língua!

Comentários

  1. Que gracinhas!
    PE e PB não são a mesma língua. Eu não consigo entender o que eles falam. Eu lembro que uma vez assisti um canal de Portugal, eu só conseguia entender o que se passava no canal de esporte. E música... Nem pensar. Não entendo. É de fato uma língua estrangeira.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Diário de Quarentena: sete meses depois e eu vou falar do pronome neutro ou a peleja pronome neutro x preço do quilo do arroz

Diário de Quarentena: "O sistema de pronomes neutros e o preconceito linguístico: resposta ao Isaque"

Diário de Quarenta: Um ano depois ...