Eu não consigo entender!
Já faz tempo que eu gostaria de escrever sobre o Enem, sobre o Enem não, sobre o que falam sobre o Enem, desde o Carnaval. Mas aí era Carnaval, eu não vou ficar aqui me metendo em filosofia sobre o Enem, mas agora, com a história das redações nota 1000, da receita de macarrão instantâneo e do hino de time de futebol, eu me revoltei. Eu tenho algumas dúvidas:
A primeira: saíram algumas reportagens durante o Carnaval sobre a decisão do nosso Ministro da Educação em não fazer duas edições do Enem durante o ano. A decisão do Ministro foi questionada com o argumento de que os candidatos só teriam uma chance para entrar numa universidade federal. Como se as universidades federais não abrissem vaga para primeiro e segundo semestres! Coitados dos candidatos! Eles bem que mereceriam duas chances por ano de entrar na universidade. O Ministro argumentou -- tudo isso em pleno Carnaval! -- que o Enem custa muito. Custa mesmo. Afinal, foi transformado de Exame Nacional do Ensino Médio, com o objetivo de avaliar o ensino do país, em Vestibular, com o objetivo de avaliar um candidato a uma vaga numa universidade federal. Não estou questionando se isso é bom ou ruim, estou questionando o fato de a mídia, preocupada com a educação neste país, argumentar que deveriam ser realizadas duas edições do Enem por ano, para garantir que os candidatos tenham duas chances de entrar numa universidade.
E eu pergunto: mas não são oferecidas vagas para primeiro e segundo semestres? E o SISU não classifica os candidatos pela nota e pelas escolhas? E quando havia Vestibular? Eram dois por ano? Alguma vez alguma universidade federal foi questionada sobre realizar somente um vestibular por ano? Bom, tudo bem, era Carnaval, o pessoal estava a fim de criar um samba-enredo. E o assunto foi encerrado.
A segunda: a mídia preocupada com a educação neste país anda falando sobre as famigeradas redações nota 1000 com erros de ortografia. Encheram uma página de jornal de Domingo com os erros de ortografia. E começaram a questionar os critérios de correção do Enem. Afinal, se é um vestibular, os critérios de correção deveriam ser mais rígidos. Quem a gente está botando pra dentro das universidades federais? Um bando de gente que não sabe ortografia?!
E eu pergunto: quem são os jornalistas para questionar os critérios de correção de uma prova? Quando querem falar sobre os mistérios do universo, chamam um físico; quando querem falar sobre doenças do coração, chamam um médico; quando querem falar sobre a crise econômica, chamam um economista. Por que não chamam os especialistas quando o assunto é critério de correção de redação? Ah, sim! Chamaram. Os especialistas do Inep deram o depoimento sobre porque as redações, mesmo com aqueles erros, segundo os jornalistas, grostescos, de ortografia tiveram nota 1000. Mas valeu de alguma coisa a opinião dos especialistas? Não! O Inep e o MEC foram desmoralizados pela mídia preocupada com a educação neste país.
Me questiono sobre a maldade que está por trás dessas reportagens: eles listaram os erros que apareceram em redações nota 1000. Quantas redações nota 1000 tinham erros de ortografia? Quantos erros de ortografia havia em cada uma das redações? O "enchergar", o "trousse" e o "rasoável" estavam todos na mesma redação? Não é maldade questionar um critério de avaliação com base em três palavras? TRÊS PA-LA-VRAS! Qualquer matéria que se leia sobre o assunto vai trazer essas mesmas três palavras. Não é maldade penalizar um candidato que tenha apresentado um texto com início, meio e fim (e não fim, início e meio!) sobre o tema proposto, que não feriu os direitos humanos, que articulou bem os parágrafos, que trouxe argumentos pertinentes ao tema só porque o cara escreveu ali no meio "rasoável"? Isso não é nada razoável! Ninguém se dá conta de que por trás da redação tem um candidato estressado, cansado, que está disputando uma vaga numa universidade federal COM TODO O PAÍS! Sim! COM TODO O PAÍS! Naquele tempo, na Galileia, quando EU fiz o Vestibular, eu disputava vagas com o Rio de Janeiro e mais um ou outro aventureiro que queria vir pra cá. Agora, o cara faz o Enem, querendo ficar na cidade dele, mas pode ser que pela classificação do SISU ele caia numa cidade bem distante da dele. E outra: um corretor que recebeu o treinamento adequado sabe que uma redação com a nota máxima em norma culta (que é onde entra a ortografia) pode apresentar um ou outro desvio da norma culta. Um "rasoável" no meio de um texto não faz com que o cara perca ponto em norma culta. Uma receita de macarrão instantâneo também não, e aí chegamos à minha terceira dúvida.
A terceira: o que faz um jovem, que já fez o Enem, já entrou pruma universidade federal, que mora numa república, mas não come macarrão instantâneo, que foi estudar numa cidade diferente da sua, acordar cedo, num domingo, pra fazer a prova do Enem pra testar a banca?! E aí, depois que ele recebe a nota da sua redação que foi penalizada por ele ter fugido do tema e ter trazido argumentos impertinentes ao tema (por isso a redação dele não foi nota 1000, mas 560) ele vai ao jornal mostrar a redação e dizer que fez a prova pra saber se a banca ia ser mais rigorosa mesmo, porque ele tinha ouvido falar que a banca do Enem este ano ia ser mais rigorosa! Nossa! Eu que sou professora de português de uma universidade federal não sabia que a banca do Enem ia ser mais rigorosa este ano!
A repercussão dessas histórias todas me leva à quarta e última dúvida.
A quarta: e por que o MEC muda de opinião toda hora a respeito do Enem? E por que se preocupa tanto com a opinião da mídia engajada na educação deste país?
Este ano, as redações foram disponibilizadas para os candidatos. Ano que vem, as redações nota 1000 passarão por um terceiro corretor e as redações com receita de macarrão instantâneo e hino de time de futebol serão penalizadas. Eu quero saber: alguma universidade federal mudou os critérios do seu vestibular por conta da pressão da mídia preocupada com a educação neste país? Alguma universidade federal disponibilizou para o público em geral as redações dos vestibulandos?
Quando o MEC decidiu transformar o ENEM em Vestibular fez sem ouvir a opinião pública, tampouco a opinião das universidades. Ninguém foi perguntar para a comunidade acadêmica a opinião sobre acabar com o Vestibular e deixar só o Enem como critério de seleção de alunos para as vagas das universidades federais. Pelo menos na minha, ninguém foi consultado. Recebemos a notícia pelos jornais.
E o Enem está virando vestibular há muito tempo: primeiro, foi quando a nota do Enem era usada para os candidatos à bolsa do ProUni; depois, quando foi uma das notas usadas nos vestibulares das universidades; depois, quando foi a primeira fase dos vestibulares e agora como única forma de avaliação para o ingresso num curso superior. E o MEC fez isso SEM CONSULTAR a comunidade acadêmica e sem dar ouvidos à mídia preocupadíssima com a educação neste país.
Eu tenho muitas outras dúvidas, mas por hoje é só. Vamos deixar a mídia preocupada com a educação neste país resolver essas questões!
É o que eu sempre digo: para tudo nesse Brasil há especialistas, mas para língua o máximo que fazem é procurar um NÃO LINGUISTA para falar sobre assuntos tão importantes! O Brasil precisa urgentemente mudar essa mentalidade pequena que ignora o fato de que há profissionais gabaritados e especializados em línguas. NÓS devemos ser consultados nessas horas pela MÍDIA!!! NÓS!!!
ResponderExcluirE só um detalhe no que Silvia fala acima: lembro-me que quando fui fazer o vestibular para a UFRJ, em 2005, todas as provas eram discursivas. Logo, em Física, Matemática, Química, eu precisava acertar o cálculo inteiro para receber a pontuação, certo??????? Mas TODOS sabíamos que errar o resultado, mas fazer TODO o raciocínio certo, ou seja, pensar, refletir...era quase certeza de nota máxima na questão! Agora, por que em língua, em redação deve ser diferente?????
Ahhhhhhh...e, ninguém questionava os físicos, químicos e matemáticos que corrigiam as provas!!!!!NINGUÉM, NINGUÉM!!!
Minha sempre professora, estava pensando em divulgar seu texto no grupo dos alunos da faculdade para ver o que o pessoal acha, rolar uma discussão, essas coisas... mas venho pedir sua permissão antes, claro, senão você vai parar de me amar. Então, eu poderia divulgar lá, por favor? =) beijos
ResponderExcluirOi, Pedro.
ExcluirPode divulgar sim. Não sei se vai rolar alguma discussão, mas pode divulgar o link do texto.
Um beijo.
Estamos flutuando no mesmo barco. Também estou tentando entender.
ResponderExcluirMuito bom, e vale a pena ser divulgado.
ResponderExcluirENEM tem de tudo, menos comprometimento com a educação. Virou instrumento político, então pouco importa a opinião acadêmica, mas sim como vai soar diante da mídia preocupada com a educação neste país. E ficamos aqui com mil dúvidas, tentando entender esse bando de arbitrariedade rolando.
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