Eu e minha orientadora II

Não sei como está agora, mas quando fiz a prova pra Unicamp, a gente podia comprovar a proficiência na segunda língua estrangeira durante o curso de doutorado, o que eu acho bem saudável. Então, fiz a prova de proficiência em Inglês durante o ingresso e um ano depois de ter começado o doutorado eu fui lá fazer a prova de proficiência em Francês.
Confesso que não estudei muito pra essa prova; afinal, não precisava, pois tinha feito uns 4 anos de Francês na Aliança Francesa, quando eu ainda queria ser tradutora-intérprete da ONU, e o máximo que fiz foi ler "Les malheurs de Sophie", versão resumidíssima, para adolescentes franceses nascidos no final do século XX, no domingo que antecedia a semana da prova.
Veio o dia da prova, fui lá, me submeti a esse teste e fiquei tranquila, achando que tinha garantido o 7,0 para provar minha proficiência em Francês.
Cerca de um tempo depois, não me lembro quanto tempo, uma semana, quinze dias, um mês, a gente recebe o aviso sobre o resultado das provas de proficiência de língua. A secretaria da pós afixou no mural os nomes dos alunos que tinham passado com uma nota do tipo "Se você fez a prova e seu nome não está aqui, procure a secretaria".
É óbvio que meu nome não estava na lista! ÓBVIO! Então, entrei eu na secretaria procurando saber o porquê de o meu nome não estar na lista. Veio a secretária, toda cuidadosa, me dar a notícia de que eu não tinha tirado a nota mínima pra passar no teste, e que eu tinha que assinar um termo de ciência de que eu deveria comprovar proficiência na língua estrangeira até o final do doutorado. "Tudo bem", eu achei, "ainda tenho três anos pra fazer essa prova". Assinei o tal termo e fui embora, pensando em como dar a notícia pra minha orientadora. Afinal, ela era francesa. E eu tinha tomado ferro numa prova (nem tão ridícula assim) de Francês.
Tomei coragem e fui ao gabinete dela dar a notícia. E o diálogo que ocorreu foi digno de uma comédia de absurdos. E é por isso que eu resolvi contar aqui.
Cheguei na sala dela meio apreensiva pra dar a notícia, e estava segurando na barra da blusa. E falei:
-- XX, preciso te dar uma notícia não muito boa.
E ela, traumatizada pelos últimos acontecimentos, reagiu:
-- Não me diga que você está grávida?! Porque a última notícia que eu preciso receber é que mais uma orientanda minha engravidou!
(ABRE PARÊNTESES: nos últimos três anos antes desse diálogo, três orientandas dela tinham engravidado e aí, obviamente, isso afetou o rendimento nas pesquisas das meninas).
-- Não, claro que não! Não é isso, mas se eu estivesse grávida, não teria problema, teria?
-- Silvia, a pior notícia que eu, orientadora, posso receber agora é que uma aluna minha engravidou! Me diga qual é a sua notícia.
Eu fiquei a-li-vi-a-dís-sima! Afinal, não estava grávida, só tinha ficado reprovada na prova de proficiência da Francês; nada sério. Aí, confiante, virei pra ela e contei a notícia:
-- Então, sabe a prova de proficiência em Francês? Não tive a nota mínima, vou ter que fazer outra no ano que vem.
-- COMO ASSIM?!
Ela vira abismada pra mim e pergunta:
-- Como assim?! Você ficou reprovada na prova de proficiência de Francês?! Ô Silvia, não há notícia pi-OR que eu poderia receber agora!
-- Mas calma XX, presta atenção! Eu não estou GRÁVIDA! Poderia ser pior!
-- Não! Eu sou francesa! Pior do que uma orientanda minha engravidar é ela ficar reprovada na prova de francês! O que aconteceu? Como foi a prova?
Enfim, eu contei o que aconteceu, ela se acalmou, eu também e no fim das contas ela se prontificou a me ajudar. No outro ano, eu tive que ler um livro sério, de adultos -- "Les pronoms" -- e ir conversar com ela sobre os capítulos do tal livro.
Acaba que consegui provar minha proficiência de Francês na segunda prova que fiz, sem maiores problemas.


...

O problema é quando a gente vai à França e tenta gastar o francês que aprendeu na Aliança Francesa, treina bonitinho pra fazer as perguntas todas, mas esquece de treinar entender as respostas... Esse é o verdadeiro teste de proficiência: A-NOS de Aliança Francesa pra eu ter que falar inglês na França!

Comentários

  1. Pior ainda é namorar uma pessoa de nacionalidade francesa por quase três anos e só saber que a França é o único país (até onde em tenho ciência) que chama MP3 de Le Baladeur.

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  2. A OBS final é muito válida: a gente sempre treina o que perguntar, mas nunca treina o entendimento da resposta!

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  3. Uma perguntinha: como se diz "orientadora" em frances?

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