Eu e minha orientadora I

Me lembro até hoje do meu primeiro dia de aula na Unicamp. A disciplina era "Introdução à Sintaxe" e a professora queria conhecer os alunos; então um a um ia se apresentando e ela anotava tudo num caderno. Chegou a minha vez e eu me apresentei com algo como:
"Eu sou Silvia, fiz mestrado na UFRJ com a professora X sobre formas de indeterminação na escrita padrão. Agora estou trabalhando com o SE com infinitivo e blá blá blá".
Nisso, a professora tirou os óculos, me olhou nos olhos e disse:
"Ah, sei quem você é, eu li o teu projeto, gostei muito do teu projeto."
Nessa hora eu me senti, né? A professora XXX dizendo que gostou do meu projeto! Nossa! Então marcamos de nos encontrar pra conversar e eu já sabia quem iria ser minha orientadora de Doutorado.
Nessa primeira conversa, e em algumas outras, eu me dirigia a ela como "professora, a senhora..." e ela super atenciosa ouviu meu projeto e  tal e daí num momento ela fala algo como:
"Me interessa muito o tema sobre infinitivo. Sabe eu tinha um orientando que estava trabalhando com infinitivos, mas ele morreu. Era epilético e morava sozinho e foram encontrar o corpo dias depois. Uma perda irreparável."
Nesse momento eu pensei: "Nunca que eu vou morar sozinha, vai que eu sou epilética e não sei!" E, logo em seguida, pensei: "Não vou mais trabalhar com infinitivo, vai que é a maldição do infinitivo, e eu morro por isso." Mas, não pensei em nenhum momento deixar passar a oportunidade de trabalhar com a professora XXX. Então ela virou minha orientadora. Eu, claro, preocupada com uma provável maldição do infinitivo, fiz a tese sobre o SE com infinitivo, o que de certo modo mascarou o infinitivo no meio da representação do sujeito na história do português.
 Confesso que na hora fiquei meio chocada, não com a morte, mas com o fato de isso ser falado numa primeira conversa em que a relação orientador-orientando ia se estabelecendo.
Mas, deu tudo certo. A maldição do infinitivo não me pegou.
Recentemente, falamos sobre essa conversa e rimos. E foi ela quem me disse pra eu contar as histórias que eu vivi enquanto sua orientanda.

Comentários

  1. Eu aqui, bom aluno, querendo ver se já tinha algo sobre o trabalho, acabo descobrindo essa beleza de blog. Bem te imagino contando essas histórias enquanto fica nos apressando para copiar os exemplos! hahaha E acho que deveria escrever o endereço do blog no quadro, junto com o "bom dia" habitual. =) beijos

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